No dia nove de junho completei vinte
e oito anos como usuário de cadeira de rodas. Na década de oitenta, quando me
acidentei e fiquei tetraplégico, a vida de um cadeirante era muito difícil. Atualmente,
em 2012, ainda são poucas as facilidades.
Em minhas andanças, perguntam-me se é
muito ruim viver com tanta dependência física. Hoje, analisando os obstáculos
superados e as limitações que ainda tenho que vencer, posso dizer com toda
certeza, que vale a pena viver. É ótimo estar vivo para contemplar a beleza que
é a vida, as pequenas coisas que a tornam mais bela.
Gosto
de minhas pernas. Embora não me façam andar, elas me ajudam a me movimentar na
cama, a me agasalhar na cadeira... Também gosto das mãos, apesar de limitadas.
A esquerda ajuda-me quando escovo os dentes, escrevo, alimento-me, cumprimento,
gesticulo, acaricio... São tantas as coisas que uma mão limitada pode fazer que
eu mesmo, às vezes, surpreendo-me com isso.
Não
me preocupo com minhas pernas finas e mãos esqueléticas, pois pouca gente está
satisfeito com o seu tipo; alguns são gordos e querem emagrecer; outras lutam
para engordar, há quem quer mudar o tipo de cabelo; outros apelam para a
cirurgia reparadora.
É
importante ter uma família e constatar que ela é sólida, firme e estruturada, e
saber que todos estão com os braços abertos para substituírem os meus. Essa
ajuda física é mínima, comparada com o calor humano que aquece meu espírito
durante todos esses anos.
Tenho em minha casa
pequenas coisas que facilitam minha vida diária como rampas, banheiro sem box e
com porta larga, cadeira de banho, cama de altura adequada, interruptores ao
alcance da mão, colchão ortopédico e outros objetos que tornam minha vida mais
facilitada.
É gratificante aconselhar as pessoas
para que não sejam imprudentes ao conduzirem carros, motos ou quaisquer
veículos e conseguir conscientizá-las dos problemas futuros que podem ocasionar
se não seguirem certas orientações.
Percebo grandes avanços para quem
tem qualquer deficiência. Os novos acidentados terão uma quantidade menor de
obstáculos. Hoje é muito comum me perguntarem em que trabalho ou quais são os
meus projetos para o futuro. Antes me perguntavam sobre o que fazia para me
entreter ou se minha bunda estava doendo de tanto ficar sentado.
Aprendi que não devemos perder tempo lamentando
movimentos perdidos. É bem melhor e mais
produtivo aproveitar o que nos resta. Um homem não pode ser valorizado pela
quantidade de passos que pode dar com suas próprias pernas e, sim, pelo amor e
respeito que tem por si mesmo e pelos outros.
Continuo
tetraplégico, mas com importante recuperação física, considerando minha total
imobilidade inicial. Desejo registrar o meu crescimento como ser humano e
conquistas como trabalho, estudo, lazer, afetividade... elementos importantes
para a vida.
Inúmeras
pessoas acidentadas se reabilitaram com mais organização do que eu. Sinto-me
bem por voltar a ser um cidadão comum. Em determinados momentos, tive a
sensação de que tudo que fazíamos era pouco, sendo necessária muita
sensibilidade para perceber o mínimo de evolução. A luta teve que ser constante
e, às vezes, tive que reaprender coisas elementares. Comparo tudo isso a um
jogo inacabado que, com improviso, aqui e ali, está sendo bem jogado.
É
fundamental haver determinação e confiança. É preciso acreditar que a incerteza
de hoje poderá ser a realização de amanhã. Não se pode ter medo de recomeçar ou
redescobrir o corpo e a força interior. Muito pode ser alcançado com esforço e
perseverança. Temos sempre o que aprender, o que evoluir e o que deixar
aflorar.
Não existe mais espaço para tédio. Não me surpreendo com
momentos de indiferenças ou pergunta inconveniente. Se a limitação incomoda,
por outro lado, não impede que minha vida seja um constante reencontro com
emoções perdidas.
Combato
momentos de descrenças com uma dose de otimismo, que venho adquirindo e
aprimorando com o passar do tempo.
Cada
barreira ultrapassada significa para mim uma batalha vencida contra a
imobilidade do corpo e da alma.
Como
pude reverter a situação desfavorável, posso dizer que me sinto bem com a
profissão escolhida, com os progressos que tive, com a oportunidade de contar
minha história e dizer que amo a vida graças a harmonia familiar, a certa
abertura da sociedade e, sobretudo, à forte e constante presença de Deus.
Hélio de Araújo – professor,
cadeirante, ativista na defesa dos direitos das pessoas com deficiência –
Petrolina-PE. heliodearaujo@yahoo.com.br
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